Possibilidade de a vedação constante do art. 9º, III, da Lei n.º 8.666/93 ser estendida, por aplicação analógica, ao dirigente que autoriza e homologa licitação vencida pelo seu enteado
Em sede de representação formulada ao TCU contra possíveis irregularidades em licitação conduzida pela Diretoria de Infraestrutura Ferroviária do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DIF/DNIT), foi prolatado o Acórdão n.º 2.105/2008, por meio do qual o Plenário decidiu fixar prazo ao DNIT para anular o certame, e, em consequência, o contrato dele decorrente, bem como realizar a audiência do ex-Diretor de Infraestrutura Ferroviária do DNIT, em razão de “participar indiretamente da licitação referente ao edital da Concorrência nº 350/2006, por meio de seu enteado, [...] sócio da sociedade empresária Consulfer, integrante do consórcio vencedor da licitação, em descumprimento ao disposto no art. 9º, inciso III, § 3º, da Lei nº 8.666/1993 [...];”. A linha de defesa do responsável pautou-se, sobretudo, nos seguintes argumentos: a) “não se aplicam as hipóteses exaustivas de proibição de celebração de contratos administrativos, previstas no art. 9º da lei nº 8.666/1993, à contratação de parente de servidor de entidade contratante”; b) “não há lacuna no rol de proibições do art. 9º, inciso III, da Lei nº 8.666/1993 e do art. 18, inciso II, da Lei nº 9.784/1999, que possa ser preenchida pela aplicação dos princípios gerais do direito e da analogia, conforme Lei de Introdução ao Código Civil, sob pena de usurpar a vontade do legislador ordinário”. Em seu voto, o relator manifestou-se de acordo com o titular da unidade técnica, no sentido de que a interpretação sistemática e analógica do art. 9º, III e §§ 3º e 4º, da Lei n.º 8.666/93 legitima elastecer a hipótese de vedação da participação indireta de servidor ou dirigente de órgão e entidade com o prestador dos serviços, sem que tal exegese desvirtue a finalidade da norma legal, qual seja, a preservação dos princípios da moralidade administrativa, da impessoalidade e da isonomia. Para o relator, o fato de a lei considerar participação indireta a existência de qualquer vínculo de natureza técnica, comercial, econômica, financeira ou trabalhista entre o autor do projeto, pessoa física ou jurídica, e o licitante ou responsável pelos serviços, fornecimentos de obras e bens, incluindo-se, nessa proibição, os membros da comissão de licitação, “não exclui a possibilidade de referida vedação ser estendida, por aplicação analógica, ao dirigente que autoriza e homologa o certame licitatório”. No caso em análise, “não é lícito ao juiz deixar de aplicar o direito sob o argumento do non liquet – inexistência de norma legal expressa e específica”, isso porque a própria Lei de Introdução ao Código Civil autoriza-lhe integrar a norma legal, de maneira a dar-lhe completude e a fim de solucionar a lide. Portanto, “a aplicação da interpretação analógica do art. 9º da Lei nº 8.666/1993 e dos princípios gerais da Administração Pública ao caso vertente não configura usurpação de competência do legislador ordinário”. Ainda conforme o relator, a desobediência às vedações albergadas no art. 9º da Lei n.º 8.666/1993 “tem natureza eminentemente de ilícito formal, vale dizer, independe da concretização de dano de direcionamento ou de favorecimento indevido à contratada, ao contrário do que pretende fazer crer o então dirigente do DIF/DNIT”. Considerando que o responsável tinha o poder de influir em questões técnicas que pudessem favorecer o consórcio do qual participava a empresa do seu enteado, e também de interferir na própria condução e fiscalização do contrato resultante da licitação, “o que já seria suficiente para caracterizar seu impedimento”, o Plenário, nos termos do voto do relator, decidiu rejeitar suas razões de justificativa e aplicar-lhe multa. Precedente citado: Acórdão n.º 1.170/2010-Plenário. Acórdão n.º 1893/2010-Plenário, TC-020.787/2007-5, rel. Min. Walton Alencar Rodrigues, 04.08.2010.
Decisão publicada no Informativo 28 do TCU - 2010
Precisa estar logado para fazer comentários.